Em 27 de Agosto de 1908
perdia o Espiritismo brasileiro, na pessoa do Dr. Antônio Pinheiro Guedes, um
dos seus mais eminentes pioneiros, um homem cuja sólida convicção e coragem
cristã fizeram-no ardoroso defensor de nossos ideais onde quer que se
encontrasse.
O Nascimento - Família
Nasceu ele em Cuiabá,
capital da então Província de Mato Grosso, aos 14 de julho de 1842, sendo um
dos quatro filhos (dois homens e duas mulheres) do Tenente-Coronel João
Pinheiro Guedes e de D. Maria Madalena Pinheiro Guedes. O outro varão, Henrique
Pinheiro Guedes, igualmente se destacou, chegando ao posto de almirante, com
serviços prestados à Nação, quer como diretor da Escola Naval quer como chefe
do Estado Maior da Armada.
O Médico
Antônio Pinheiro Guedes bem cedo revelou um espírito inteligente, perquiridor e ativo. Em sua terra natal fez os primeiros estudos, após o que embarcou para a Corte a fim de seguir a carreira médica, antiga aspiração do menino. Examinado em 07 de novembro de 1865, e tendo obtido aprovação plena, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (mais tarde: Faculdade Nacional de Medicina). Anos de estudo se escoaram, e em 30 de setembro de 1870 ei-lo a apresentar à Faculdade, da qual era diretor o Conselheiro Dr. José Martins da Cruz Jobim, a sua tese de doutorado, tese que sustentou no dia 6 de dezembro do mesmo ano. Ela continha uma dissertação de ciência cirúrgica: regeneração de ossos e ressecções em geral, e uma série de proposições sobre: «Da substituição histológica», «Diagnóstico diferencial entre a meningoencefalite e a hemorragia cerebral» e «Responsabilidade médica», assuntos pertencentes respectivamente às cadeiras de Anatomia Geral e Patológica, Clínica Interna e Medicina Legal. Nesta tese, entre agradecimentos e homenagens do autor, figuravam estas duas singelas dedicatórias, que bem demonstram a delicadeza e a sensibilidade espiritualizada de sua alma:
“O meu bom pai e à
minha extremosa mãe: Eis o marco da carreira brilhante que me fizestes
percorrer. Possuísse eu a linguagem dos anjos, e não teria expressões para
patentear-vos a gratidão infinda de minha alma reconhecida. Merecesse eu do
Onipotente a glória de imortalizar vossos nomes, e não teria retribuído aos
vossos constantes desvelos e muito menos compensado os sacrifícios que vos
impusestes.”
“A oferta que ora vos
faço é, pois, muito mesquinha para testemunhar-vos todo o meu reconhecimento;
aceitai - a, porém como sinal do amor e respeito que vos consagra vosso filho
extremoso.”
A minha idolatrada esposa
D. Marcolina Constança de Almeida Guedes – “Amor
amore compensatur”. - Por mais que eu escrevesse, nunca diria tanto como
essa frase, cuja essência bem compreendes. Ela exprime o que de melhor poderia
dizer-te, no momento solene de entrar para o grêmio social, o teu esposo. Antes
de se doutorar, serviu como interno de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica na
Faculdade, tendo sido também aluno pensionista no Hospital Militar da Corte. Em
31 de Dezembro de 1870 entrou para o Corpo de Saúde do Exército no posto de
tenente cirurgião. Promovido a capitão 1Q cirurgião em 25 de maio de 1878; a
major cirurgião-mor de brigada, em 5 de março de 1890; a tenente-coronel médico
de 2ª classe, em 27 do mesmo mês, reformou-se no posto de coronel médico,
depois de servir nas Fortalezas de Santa Cruz e S. João, no Arsenal de Guerra
do Rio de Janeiro e, como chefe, no Serviço Sanitário do Estado do Pará.
Participou de várias comissões médicas do Governo, a elas sempre emprestando o
brilho de sua capacidade profissional. Como clínico, empregou o tratamento
homeopático, e no desempenho de sua profissão sobressaiu-se pelo seu espírito
humanitário.
O Político
Como cidadão brasileiro e
ardente patriota, era um apaixonado pelas coisas que diziam respeito ao Brasil.
Daí estar sempre interessado por tudo quanto poderia trazer maior progresso e
bem-estar para a Nação. Os problemas administrativos não lhe eram
desconhecidos. As lutas políticas, muito menos. Com o correr dos anos, suas
relações aumentaram e a Política chegou a absorvê-lo.
Acreditava que aí fácil
lhe seria pôr em prática os seus ideais de construção, em bem do povo
brasileiro. Na verdade, porém, não era ele um político nato, por assim dizer.
Assim mesmo, em 1890, por indicação do governador do Estado de Mato Grosso, o
nome de Antônio Pinheiro Guedes é sufragado nas urnas para o Senado Federal.
Nas pugnas eleitorais de 15-09-1890, seu Estado natal o elege, juntamente com
Joaquim Duarte Murtinho e Aquilino Leite do Amaral Coutinho.
A posse se deu na data do
1º· aniversário da República, no Paço de São Cristóvão, e entre os demais
senadores empossados destacavam-se outros célebres nomes da nossa História,
como Rui Barbosa, Pinheiro Machado, Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva, Saldanha
Marinho, Campos Sales, Luís Delfino, Prudente de Morais etc., membros todos
eles da primeira e acidentada Constituinte Republicana.
Nos três anos que durou o
mandato senatorial, Antônio Pinheiro Guedes procurou, com vivo e sincero
espírito democrático, defender o direito, a justiça e a liberdade no Brasil, no
cumprimento dos deveres do verdadeiro espírita, que na ocasião já o era,
plenamente cônscio, portanto, de suas responsabilidades perante o Criador e
Pai. É assim, por exemplo, que o vemos, na sessão de 01 de novembro de 1892,
bater-se contra uma emenda ao orçamento da Agricultura, emenda que permitia ao
Governo fundar, além de enfermarias, templos.
O Senador Guedes lembra
que não reconhecendo o Estado nenhuma religião, não tendo, portanto, religião,
incongruente e fora de propósito era a tal emenda, em cuja redação se deveria
suprimir o vocábulo «templos». O
presidente da Mesa explica que a emenda já havia sido aprovada, ao que Pinheiro
Guedes responde fazendo constar em ata a sua desaprovação. Em outras
oportunidades trouxe a plenário a sua palavra serena e ponderada, mas, com o
correr dos meses, foi ele verificando que a Política era também uma enredada
trama onde se conluiavam interesses subalternos e pessoais, de par com uma
demagogia desenfreada. Seus elevados propósitos nem sempre encontravam eco na
assembleia, faltando-lhe o apoio dos colegas para as obras que julgava
importantes. Tudo isto levou-o, na hora do expediente da 81ª. Sessão, em 16 de
agosto de 1893, a pedir a palavra para, com toda a franqueza, explicar a sua
atitude passiva ultimamente observada no Senado. Começou declarando que as
decepções por que passara o seu espírito de republicano, democrata e
federalista, desde o início de sua vida política, é que lhe impuseram aquele
silêncio e até mesmo o seu não comparecimento às sessões.
A seguir, fez um rosário
dos desgostos que lhe advieram depois que pisou o Senado, lamentando, mais
adiante: «em vez de República temos apenas um fantasma». Neste mesmo tom
de sinceridade e lealdade, o orador não temeu criticar certas ações do governo
de Floriano Peixoto, e dele destacamos este trecho: «não há orientação
política entre aqueles que têm o dever de dirigir os destinos do Brasil, porque
as veleidades e as ambições sôfregas pelas altas posições têm concorrido para
que a República não seja uma verdade».
Na sessão seguinte, de 18
de agosto, volta à tribuna o Dr. Pinheiro Guedes. Analisou ele a situação
nacional daqueles perturbados dias, e em suas considerações refletidas e
judiciosas habilmente introduziu conceitos da doutrina espírita, inclusive a
pluralidade das existências. Ao fim do seu discurso, ouvido em respeitoso
silêncio, comunicou, após frisar que não tinha quaisquer pretensões pessoais
ocultas, que não pleitearia a sua reeleição. Assim aconteceu. Afastou-se ele da
Política, para dedicar-se mais aos interesses do Espiritismo.
Somente mais tarde, nas
eleições de 1906, voltou ele a concorrer a uma cadeira na Câmara Alta. Explicam
os Anais do Senado da época que ele e o jornalista Antônio Francisco de Azeredo
(senador desde 1897) foram diplomados (sic), mas a Comissão julgou
válido apenas o diploma conferido ao segundo. Foi esta a última experiência
política de Antônio Pinheiro Guedes, pois em 1908 ele se despedia do mundo.
O Espírita
Foi em fins de 1874, conforme ele próprio o relata na revista «Verdade e Luz» de 15 de outubro de 1904, que Pinheiro Guedes assistiu a uma sessão espírita, em companhia de Carlos Cirne e João Coelho, dois fervorosos militantes do Espiritismo daquela época. Carlos Cirne, compadre de Pinheiro Guedes, entregava-se a experiências mediúnicas em sua própria residência, com Angeli Torteroli, médium escrevente, psicofonico e vidente. Pinheiro Guedes não se convenceu de pronto.
Médico materialista, para
quem a alma não passava de simples função cerebral, só modificou suas ideias
sobre a alma após haver frequentado uma série de reuniões espíritas com aqueles
seus amigos e ter observado vários fatos confirmadores da vida pós-morte.
Dedicando-se ao estudo das novas revelações, conheceu vultos como Bittencourt
Sampaio, Joaquim Carlos Travassos, Siqueira Dias e Mendonça Furtado. Fundada em
1876 a «Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade»,
Pinheiro Guedes entra para o quadro dos sócios fundadores.
Em 03 de Outubro de 1879,
Pinheiro Guedes apoia a transformação da referida Instituição em «Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade»,
que nos primeiros anos de sua existência, muitos benefícios prestou ao
Espiritismo no Brasil, não só difundindo-o, mas também defendendo-o largamente
dos ataques então desfechados por autoridades eclesiásticas e civis. Essa
Sociedade foi criada num edifício público situado na Praça da Aclamação (atual
Praça da República) nº. 54, gentilmente cedido pelo Conselheiro Doutor José
Bento da Cunha Figueiredo, Ministro do Império. No mesmo dia de sua instalação,
foram eleitos e empossados os cinco diretores: Dr. Francisco de Siqueira Dias (presidente),
Carlos Joaquim de Lima e Cirne, Antônio Carlos de Mendonça Furtado de Menezes,
Dr. Antônio Pinheiro Guedes e Salustiano José Monteiro de Barros. No segundo
ano de existência da Sociedade Acadêmica, Pinheiro Guedes foi seu presidente,
faltando - nos dados para saber se ele continuou nesse cargo, e por quanto
tempo.
Foi o nosso homenageado um
dos fortes esteios do Espiritismo no Brasil, sempre tomando parte ativa na
propaganda da Doutrina por meio de conferências e outros trabalhos. Orador
fluente e muito culto, sua presença era constantemente solicitada por diversas
Associações espiritistas, nas quais ora presidia as reuniões, ora funcionava
como orador oficial. Nas sessões magnas promovidas pela Sociedade Acadêmica,
como as que se faziam para homenagear Allan Kardec, invariavelmente era ele
convidado a ocupar a tribuna como conferencista principal. Sua palavra
inspirada, tecida de ponderosos argumentos filosóficos e científicos,
arrebatava a todos, não só pela essência do conteúdo que também pela excelência
da linguagem. O «Centro da União Espírita do Brasil», criado pelo Prof.
Afonso Angeli Torteroli na própria Sociedade Acadêmica, em 3 de outubro de
1881, com o objetivo primacial de estreitar num só bloco os Grupos espíritas
espalhados pelo território brasileiro, teve-o entre seus mais destacados
diretores, dentre os quais podemos ainda citar os nomes de Lima e Cirne,
Augusto Elias da Silva e Siqueira Dias.
Nunca recuou diante das
perseguições que se armaram contra o Espiritismo. Vemo-lo, por exemplo, ombro a
ombro com outros intrépidos companheiros, defendendo os direitos dos espíritas,
cerceados em sua liberdade por uma ordem que o então delegado de Polícia da
Corte baixara, levado por informações deturpadas ou mesmo falsas. Chegaram eles
a ir até à presença do Imperador! Com o pseudônimo de “Guepian” revidou
a pastoral do bispo do Rio de Janeiro, publicada em 15 de julho de 1882 e que
condenava o Espiritismo como pernicioso.
Os artigos de Pinheiro
Guedes, intitulados «Ao Episcopado Brasileiro», foram transcritos nos
primeiros números do «Reformador», órgão fundado em janeiro do ano
seguinte. Não é, pois sem razão que o «Reformador», ao lhe fazer o
necrológio, destacou que, desde a conversão de Pinheiro Guedes à nossa Doutrina
Espiritualista, este «fora um indefesso militante, não desprezando nenhum
meio de publicidade para popularizá-la e assim transmitir a muitos os seus
consoladores benefícios». Sendo um dos redatores da «Revista da
Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade», fundada em janeiro de 1881,
nela deixou vários e oportuníssimos escritos. Instalada em 02 de janeiro de
1884, a Federação Espírita Brasileira teve a satisfação de inscrever o Dr.
Antônio Pinheiro Guedes entre os seus sócios fundadores, considerando os seus
reais méritos e porque estava ele vinculado aos ideais dos principais
fundadores, de cuja amizade privava.
No período (1886-1888)
das célebres conferências no vasto salão da Velha Guarda, promovidas pela
Federação Espírita Brasileira, ele foi um dos que brilhantemente assomaram à
tribuna, não se falando das diversas outras conferências que realizou no
próprio salão da FEB. Em 31 de Março de 1889, o Dr. Bezerra de Menezes reuniu
na sede da Federação, da qual era presidente, um grupo dos mais ilustres espíritas
do Rio de Janeiro. Seu objetivo era fundar, dentro da FEB, mas com direção à
parte, para não ferir susceptibilidades de organizações mais antigas que ela,
um Centro que reunisse delegados ou representantes nomeados pelas Sociedades e
Grupos espíritas de todos os Estados. Ansiava ele corresponder aos desejos
expressos pelo Espírito de Allan Kardec numa comunicação recebida pelo médium
Frederico Júnior e que dizia respeito à Unificação. Tomou parte na reunião o
Dr. Pinheiro Guedes, a quem Bezerra concedeu a palavra para encetar a
discussão. As ponderações favoráveis do respeitado veterano foram ouvidas com
geral agrado e apoiadas, em breves discursos, pelo Dr. Dias da Cruz e por Lima
e Cirne. Em 21 de Abril de 1889 instalou-se o Centro Espírita do Brasil, do
qual Bezerra de Menezes foi o primeiro presidente.
A Proclamação da República
no Brasil levou a Federação Espírita Brasileira a enviar uma mensagem de
congratulações ao Governo Provisório. Foi escolhido relator da mensagem o Dr.
Pinheiro Guedes, que também participou da comissão que se dirigiu a palácio
para fazer a entrega do documento. Sempre amigo e admirador da Casa de Ismael,
nela já reconhecendo a orientadora do Espiritismo no Brasil, não titubeou,
juntamente com o grande Batuíra e outros ilustres confrades, em apoiar o
movimento que, de uma vez por todas, procurava entregar à Federação Espírita
Brasileira a direção do Espiritismo nas terras de Santa Cruz. Isto se deu por
volta de 1890, e, antes de se retirar para o Norte, em importante comissão do
Governo, Pinheiro Guedes, como que reafirmando a sua posição frente à FEB, a
ela ofertou «uma coleção importantíssima de livros sobre todos os ramos do
conhecimento humano», ampliando, de maneira significativa, a pequena
biblioteca criada por Augusto Elias da Silva.
Em 04 de agosto de 1892,
fora preso porque um confrade que realizava sessões em sua casa, o Círculo
Espírita Conciliação constituiu no Rio de Janeiro uma Comissão Permanente que
defenderia os espíritas quando violentados em seus direitos e na sua liberdade.
Os jornais do dia 6 publicaram notícias a respeito. A Comissão ficou composta
dos seguintes nomes, todos eles respeitáveis: Dr. Ramos Nogueira, senador
Antônio Pinheiro Guedes; Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, deputado Aristides
Spínola Zama, Dr. João Carlos de Oliva Maia, Dr. Francisco de Menezes Dias da
Cruz, deputado J. L. de Almeida Nogueira, deputado Alcindo Guanabara, Prof.
Angeli Torteroli e Dr. Valentim Magalhães.
O Código Penal da novel
República Brasileira aparecera em outubro de 1890. No artigo 157, e ferindo a
Constituição, confundiam-se, malevolamente e propositadamente, os espíritas com
os feiticeiros e embusteiros. A Federação Espírita Brasileira protestou e
procurou junto ao Ministro da Justiça do Governo Provisório, Dr. Campos Sales,
alterar aquele dispositivo do Código, mas nada conseguiu. O Centro Espírita do
Brasil, do qual era presidente Bezerra de Menezes, dirige, em 22 de dezembro de
1890, ao Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro Presidente da República, outra
representação, que apenas conseguiu, por parte do autor do Código, Dr. João
Batista Pereira, «uma interpretação mais
consentânea com a liberdade de pensamento e de crença garantida pela República».
A vista disto foi então
escrita e apresentada no Congresso Nacional, em 10 de agosto de 1893, nova
representação, assinada pela Comissão acima referida. Na representação pedia-se
à Assembleia reconhecesse a flagrante inconstitucionalidade do Código Penal na
parte que poderia impedir a prática do Espiritismo, tolhendo assim a liberdade
religiosa.
O assunto foi devidamente
encaminhado à Comissão Revisora do Código Penal, mas nada se fez para retificar
a. redação do artigo acima referido. Correm os anos, e Pinheiro Guedes continua
divulgando a Doutrina Espírita por todos os cantos, com aquele entusiasmo de
crente fervoroso. Vários periódicos espíritas, entre eles o «Reformador»
e a conhecida revista de Batuíra - «Verdade e Luz”, receberam a sua
erudita colaboração, em artigos doutrinários escritos numa linguagem
escorreita. Veio a ser, juntamente com Augusto Elias da Silva, Lima e Cirne,
Ernesto dos Santos Silva, José Antônio Vai de Vez, Júlio César Leal, Angeli
Torteroli e outros um dos membros da Diretoria Central do «Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil», reinstalado em
abril de 1894, ali prestando a sua colaboração como conferencista, mantendo-se
também ligado à Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, a qual ainda
sobrevivia pelo menos in nomine.
Chega o ano de 1901. Sai à luz um interessante livro de sua autoria, intitulado - «Ciência Espírita», em cujas primeiras páginas, depois de uma homenagem do autor à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, vem uma explicação ao leitor, datada de Niterói, 13 de agosto de 1900. Esta obra, de caráter científico, «numa linguagem clara, simples e persuasiva, dirigida mais ao raciocínio do leitor do que às suas próprias crenças e sentimentos religiosos», foi reeditada em 1955. Ao aparecimento deste livro, «Reformador» trouxe na sua seção bibliográfica extensa crítica, esclarecendo que Pinheiro Guedes «se esforça por demonstrar, graças a uma vigorosa argumentação, que o espírito é, desde a sua gênese, essa força que - age sobre a matéria e acompanha a sua evolução, individualizando-se lentamente e dirigindo, dos estados inferiores aos mais elevados da Natureza».
O Espírito
Independente
Por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Allan Kardec, em 1904, levadas a efeito pela Federação Espírita Brasileira, muitas Sociedades espíritas se fizeram representar. Pinheiro Guedes compareceu às solenidades, como representante da Sociedade Espírita «Concórdia», de Campos (Estado do Rio), da Sociedade Espírita «Cristo e Caridade», de Cuiabá (Estado de Mato Grosso), e dos espíritas de Campinas. A presença deste infatigável lidador da Doutrina na Casa de Ismael foi motivo de alegria geral, sendo ele alvo da atenção e do carinho de todos. O programa do Centenário de Kardec incluiu a inauguração oficial de uma série de cursos na sede da Federação, e nessa ocasião Pinheiro Guedes usou da palavra para congratular-se com a Casa de Ismael e seus diretores pelos auspiciosos sucessos que então se verificavam. Ainda ali subscreveu, em 01 de outubro de 1904, as célebres «Bases de Organização Espírita», programa que tinha objetivos semelhantes aos do atual Conselho Federativo Nacional.
Como espírito
independente, Pinheiro Guedes não era, contudo, intolerante. Consciência reta,
mente ilustrada e coração bondoso, formou em torno de si uma legião de amigos e
admiradores.
Inabalavelmente convicto
da verdade espírita, jamais ocultou a sua condição de crente, o que levou
muitos colegas médicos (como ele mesmo
revelou) a tratarem-no com certo desdém. Nada, porém, lhe arrefecia o ânimo,
pois, conforme frisou na sua obra atrás mencionada, apenas tinha em conta a
Verdade, e não os aplausos dos homens. Estamos em 1908. Pinheiro Guedes,
gravemente enfermo, aguarda no leito, com resignação, a sua partida para o
Além.
Calmo e lúcido, segundo
nos conta o «Reformado!», ele ainda
tem forças para exortar os familiares e lhes falar com plena convicção da outra
vida na qual dentro em pouco iria penetrar. E foi assim que Antônio Pinheiro
Guedes, com estes últimos exemplos de verdadeiro espírita, se despiu das
prisões da carne, a fim de reencetar no Plano Espiritual o trabalho de
esclarecimento e iluminação das criaturas humanas.
Diversos órgãos da
imprensa espírita do Brasil enalteceram a figura do querido extinto, ele tendo
feito os periódicos «Luz y Unión» e «EI Espiritismo», ambos da Argentina. O «Correio da Manhã», do qual era então
diretor Edmundo Bittencourt, seu fundador e grande amigo dos espíritas,
publicou em seu número de 28 de agosto de 1908 a seguinte página da Redação:
“Dr. Pinheiro Guedes”
A inesperada morte do Dr.
Pinheiro Guedes veio causar o mais justo pesar não só no numeroso círculo de
seus amigos, nesta capital, como em toda a cidade de Niterói, onde por largos
anos clinicou com proficiência e caridade.
O Dr. Pinheiro Guedes era
um dos homeopatas mais antigos e de maior mérito do Brasil. Homem de muito
talento e vasta cultura dedicou-se com brilho a estudos literários, tendo
publicado várias e interessantes produções. Tinha grande amor à Língua
Portuguesa, sendo autor de um interessante projeto de reforma ortográfica [1];
há longos anos por essa reforma se batia, tendo enviado há cerca de um ano
extenso trabalho à Academia de Letras sobre o assunto.
Era também um dos mais
antigos espíritas brasileiros. Com Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio,
Saião e outros fundou os primeiros centros de investigação no Rio de Janeiro.
Mudando há meses a sua residência para esta capital, continuou, entretanto, a
exercer a clínica em Niterói, indo diariamente à vizinha cidade. Quem o visse,
ainda há poucos dias, risonho, bem-disposto de espírito, conquanto apresentando
certo abatimento físico, longe estaria de supor que o bom Dr. Pinheiro Guedes
tão depressa se finaria.
_______________
1 Pinheiro
Guedes chegou mesmo a escrever artigos com a sua ortografia dita racional ou
filosófica. Aliás, por ela se bateram homens da inteligência de Paranhos da
Silva, Miguel Lemos, Castro Lopes, Medeiros e Albuquerque, João Ribeiro, José
Pereira Marcondes e outros. (Nota da Editora)
Sumário
BIBLIOGRAFIA
1) "Reformador" de 1883, 1901, 1908 e
outros anos.
2) "Metapsíquica" nº 2 de 1936,
3) "Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo
e Caridade" (1881-2).
4) "Esboço histórico da Federação Espírita
Brasileira", edição 1924.
5) "Dicionário Bibliográfico Brasileiro",
pelo Dr. Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, Rio de Janeiro, 1. Volume
(1883).
6) "Tese de Doutorado pela Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro", por Antônio Pinheiro Guedes, Rio de Janeiro, Tip.
de Quirino & Irmão, 1870.
7) "Governos e Congressos da República dos
Estados Unidos do Brasil" (1889-1917), por Dunshee de Abranches, São
Paulo, 1. Vol., 1918.
8) "Dicionário Biográfico Mato-Grossense",
por Rubens de Mendonça, 1953.
9) "Anais do Senado Federal", Rio de
Janeiro, volume VI, 1893.
10) "O Senado Federal de 1890 a 1927",
por A. Gomes De Castro e A. Souto Castagnino, Rio de Janeiro, 1927.
11) "Revue Spirite", 1881, págs. 126 e
127.
12) "Revista Espírita do Brasil", órgão
do Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil, agosto de 1897.
Fonte:
https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/06/Pinheiro-Guedes.pdf